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Landless Voices II

A importância do debate de gênero na escola

O Colégio Iraci Salete está localizado na cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no assentamento. Já temos vinte anos de assentamento. Essas problemáticas que são fortes nos acampamentos; parece que nos assentamentos afloram mais ainda. Tem uma percepção que talvez na cidade grande seja menos difícil de tratar. No interior, na cidade pequena, essa questão da família tradicional é mais difícil de lidar. No assentamento essas questões do machismo, homofobia, racismo e todo o tipo de preconceito parecem que ganham mais força ainda. Obviamente, a escola não é nenhuma ilha e tudo isso vem até a escola.

O colégio em vários momentos tem feito alguma atividade. [...] A questão da gravidez na adolescência era e ainda é recorrente lá nas comunidades. Aí a gente fez várias ações desde um projeto interdisciplinar. Tínhamos oficinas também. [...] E, mais recentemente, começamos esse trabalho em parceria com as professoras aqui, a professora Else e a professora Sonia, que é o trabalho que durou mais tempo para tratar esse conjunto de questões [...].

Esses dias eu estava vendo uma frase que diz muito pra mim. 'Sexualidade é tão humana quanto beber e comer'. E é tão tabu para nós e é tão do ser humano. Faz parte e a gente tem tanta dificuldade de discutir algo que faz parte da vida da gente desde criança. Eu quero dizer para as companheiras Else e Sonia que o projeto provocou, mexeu com todo o coletivo da escola. Só o fato de tirar do conforto todo o coletivo escolar, só por isso já valeu a pena. E, por isso, deve ser dada continuidade. Tirou do conforto os estudantes porque não é consenso entre os estudantes, os educadores, a comunidade. Isso criou algumas situações de como é que a gente resolve os confrontos.

Tivemos vários encontros nesse período. Queria destacar tanto a metodologia envolvida como a forma que as companheiras [Else e Sônia] e também as acadêmicas bolsistas que estavam trabalhando envolveram os estudantes, o que contribuiu bastante para a realização das atividades. Nós trabalhamos com as turmas do Ensino Médio e com a formação de docentes [Magistério]. É um colégio bem grande, com bastante estudantes. Também nesse período produzimos vários materiais. Muito bacana: fanzines, músicas, teatros, poesia, desenhos.

E eu falava das resistências e que veio de todo coletivo escolar. Começa pelo preconceito. [...] São doze educadores. Eu ia buscar para participar, mas a gente não sabe até onde isso é resistência ou é o dar conta das atividades que a gente tem. Tivemos o caso de uma turma que não quis participar; se recusaram. 'Nós queremos ter aulas'. E não participaram. E foi consenso da turma inteira. É uma turma avançada em termos de consciência, mas, naquele momento, eles já estavam se formando. E a gente respeitou a posição da turma. Tinha turma que tinha mais preconceito e participou [...].

Com os pais foi muito bacana. Sentamos para debater. Esse problema acontece aqui. Não temos porque esconder. Não estamos incentivando a nada. Estamos debatendo uma problemática que faz parte aqui da comunidade. Fulano aqui que tanto sofreu e que foi embora porque era perseguido, era oprimido na comunidade. E os pais conseguiram entender e foi muito bacana. [...] Teve vários tipos de conversa nos corredores. Alguns que não se expressavam ali [nos workshops], mas depois eles se conversavam. 'Não concordo com isso, concordo com aquilo'. Dava uma baita de uma discussão. É o que eu digo: se não fosse esse debate, não teria gerado essa discussão com estudantes e educadores. A avaliação nossa foi extremamente positiva. É uma demanda permanente. Nossa escola todo ano precisa estar fazendo essas discussões.

Eu fui aqui anotando alguns desafios. Alguns mais relacionados ao projeto, alguns mais gerais e alguns pra gente pensar mais no coletivo também: um desses é do próprio coletivo de educadores; nós não temos conhecimento suficiente. Nesse projeto a gente trabalhou bastante com os estudantes. No conselho de classe nós percebemos que precisamos debater isso com os pais. Aqui no colégio o trabalho foi muito positivo porque movimentou a escola e a gente conseguiu elevar o nível de consciência da maioria das pessoas; principalmente daquelas que estavam blindadas. Mas, na comunidade esse debate não chegou. E é um debate, às vezes mais difícil de fazer, mas necessário. [...] Pensamos em conversar com os estudantes de fazer um inventário sobre a realidade e vamos trazer as várias problemáticas. Dizer para a comunidade: nós precisamos debater e trazer alguns pais para pensar estratégias. No munícipio assim é muito complicado. Tem que ter uma coragem, muito difícil. Município pequeno e no assentamento tem um conservadorismo extremo. Chega a ser reacionário em alguns momentos. Então, tem que fazer esse debate com a comunidade mesmo [...].

Então a gente precisa debater a questão de gênero e também pensar na conjuntura que nós estamos, que é de um retrocesso tremendo em todas as áreas, inclusive a Lei da Mordaça que está relacionada à criminalização dos movimentos sociais, à PEC da reforma do Ensino Médio. Eu queria frisar a importância desse nosso trabalho. Somente nós, enquanto escola, temos uma dificuldade tremenda de organizar. Então acho que com essa parceria com as Universidades a gente consegue qualificar mais essas ações.

 

Depoimento do diretor Rudison L. Ladislau.

Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strosak – Rio Bonito do Iguaçu  – Paraná.

Abril 2018

© Vozes Sem Terra II

 

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